Querida Kitty,
Será que é por estar há tanto tempo sem pôr o nariz para fora que me tornei tão doida
por tudo quanto diga respeito à natureza? Lembro-me perfeitamente de que não havia céu azul,
canto de pássaros, luar e flores que me fascinassem como agora. Mas isso mudou desde que
vim para cá.
Em Pentecostes, por exemplo, quando o calor era sufocante, fiquei acordada até as onze
e meia da noite para contemplar a lua à vontade, sozinha. Foi em vão o sacrifício; o luar
estava tão claro que não me atrevi a correr o risco de abrir a janela.
Outra vez, isso já faz alguns meses, eu estava lá em cima com a janela aberta. Só desci quando ela teve de ser
fechada. A noite escura e chuvosa, o temporal e as nuvens que corriam empolgaram-me
completamente; era a primeira vez, em um ano e meio, que via a noite face a face. Depois
daquela noite, meu desejo de tornar a vê-la foi mais forte que o medo dos ladrões, ratos e
assaltos à casa. Desci sozinha e fiquei a olhar através das janelas da cozinha e do escritório
particular.
Muita gente adora a natureza, muitos são os que, ocasionalmente, dormem ao ar
livre; os que estão encerrados em prisões e hospitais anseiam pelo dia em que poderão sair
para gozar suas belezas; mas são poucos, muito poucos mesmo, os que ficam fechados,
isolados daquilo que pode ser compartilhado entre ricos e pobres. Não é imaginação minha
dizer que olhar para o céu e ver as nuvens, a lua e as estrelas torna-me paciente e calma. É
remédio melhor que valeriana ou brometo. A mãe natureza me torna humilde e me infunde
coragem para enfrentar as adversidades.
Infelizmente tem que ser assim: a não ser em poucas e raras ocasiões, aqui, só tenho
podido contemplar a natureza através de cortinas de renda sujas, penduradas em janelas
poeirentas. E já não é um prazer olhar através delas, pois a natureza é a única coisa que não
aceita adulteração.
Sua Anne.
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