Resenha crítica do livro Hiroshima
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Este diagrama de fotos mostra a extensão dos danos em Hiroshima. Regiões sombreadas indicam o setor mais devastado da cidade. Imagem: NPR. Sem informações sobre estes pontos destacados. |
HERSEY,
John. Hiroshima. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002. p. 176. Tradução: Hildegard Feist. ISBN: 8535902791.
1. SOBRE JOHN HERSEY
John Richard Hersey
(nasceu em 17 de junho de 1914, Tientsin, China - morreu
em 24 de março de 1993, Key West, Flórida), foi um escritor e
jornalista norte-americano, formado pela Universidade de Yale, e pós-graduado
como um Mellon Fellow em Cambridge. Foi também correspondente internacional no
Leste da Ásia, na Itália, e na União Soviética, para as revistas Time e Life.
Em 1945 recebeu o prêmio Pullitzer por seu primeiro romance, A Bell for Adano.
É conhecido principalmente por ser um dos precursores do chamado Novo
Jornalismo, gênero que se utiliza de elementos literários para escrever
reportagens de não-ficção. Outras obras:
HERSEY, John. Into the Valley: Marines at Guadalcanal. United States: Nebraska University, 2002. 79 p. ISBN: 0803273282.
HERSEY, John. Into the Valley: Marines at Guadalcanal. United States: Nebraska University, 2002. 79 p. ISBN: 0803273282.
_______. Reporting
World War II. United States: Penguin Usa, 2001. 874 p. ISBN:
1931082057
_______. The
Wall. United States: Random House, 1988. 632 p. ISBN: 0394756967
2. UM BREVE RESUMO
Publicada
inicialmente como um artigo de John Hersey para a revista The New Yorker, em 31
agosto de 1946, Hiroshima foi considerada a melhor reportagem já escrita,
vendendo cerca de 300 mil exemplares, e incluindo o autor na lista dos dez
americanos mais importantes daquele ano. A revista precisou dedicar quase todas
as suas páginas em suporte às 31.347 palavras que o autor utilizou para
apresentar os efeitos causados pela bomba atômica sobre a vida de mais de 200
mil pessoas em Hiroshima, e o seu impacto na história da humanidade.
O foco deste
livro-reportagem não é abordar aspectos éticos, dados técnicos, ou discutir os
motivos que levaram os Estados Unidos a tal ato. Ele busca, na verdade, mostrar
as consequências que uma bomba atômica, com todo seu impacto e poder destrutivo,
pode ocasionar. E através do relato de seis sobreviventes do bombardeio da
cidade de Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial, o autor é capaz de nos aproximar da
realidade da guerra, a qual jamais poderíamos compreender sem antes tê-la vivenciado.
Utilizando-se de elementos narrativos literários, e na perspectiva de cada um
destes personagens, John Hersey nos mostra que “o horror tinha nome, idade e
sexo”.
3. ESTRUTURA E ABORDAGEM
A reportagem é
dividida em cinco partes. Cada uma relatando de maneira harmoniosa os eventos que
ocorreram na vida de cada um dos sobreviventes. Do momento em que a bomba
caiu, até a experiência com os desastres que continuaram a acontecer nos dias seguintes. E tanto as divisões, quanto a escolha dos títulos de cada capítulo, foram pensadas
de maneira a humanizar a narrativa e envolver o leitor em um tipo de imersão
que emociona e sensibiliza.
O uso de uma bomba
atômica era novidade. Nunca na história do mundo essa tecnologia havia sido
utilizada. E enquanto os sobreviventes sofriam e o mundo estava perplexo,
alguns grupos de pesquisadores, cientistas e militares estavam em um estado de
êxtase com essa primeira experiência no uso de uma bomba de fissão. Eles tentavam
entender quais seriam os efeitos causados por ela e as demais questões que surgiam a partir deste novo fenômeno.
Assim, John Hersey, além
de contar a história dos hibakusha (como os japoneses chamavam os
sobreviventes, para manter o respeito por aqueles que haviam perdido a vida),
narrava também, em sua obra, a repercussão que o bombardeio teve no mundo afora, e as expõe
em detalhes no decorrer dos capítulos.
No primeiro
capítulo, Um Clarão Silencioso o
autor nos apresenta o perfil de cada um dos personagens, com informações sobre
seu trabalho, família, idade, e ocupações. Todas as informações de relevância para a
compreensão da personalidade de cada indivíduo, e para entender as suas
escolhas e ações dentro dos acontecimentos narrados.
Em seguida, o
autor descreve os momentos anteriores à explosão, que se resumem a relatos da
rotina de cada um dos personagens: onde e com quem eles estavam, o que faziam, etc.
E depois a experiência de cada hibakusha, no exato momento em que se depararam com o clarão repentino e
silencioso - causado pela explosão -, que tomou conta da cidade; e a forma como
reagiram diante de um evento tão inesperado.
Uma
centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis
são algumas das que sobreviveram. Ainda se perguntam por que estão vivos,
quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a
um ato da própria vontade – um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em
casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no
ato de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais
teria imaginado ver. Na época não sabiam disso (HERSEY, 2002, l. 32-44)¹.
Logo após, no
segundo capítulo, O Fogo, Hersey narra
a situação dos sobreviventes após a bomba ter liberado toda sua energia em
destruição, fragmentos de fissão, e causado um incêndio que se alastrava por toda
a cidade. O autor conta, também, detalhes sobre o procedimento que eles foram orientados a seguir em caso de um ataque, e embora fosse um fenômeno novo na história, o grupo conseguiu se virar bem em meio ao caos.
Antes mesmo da
bomba explodir a população já estava ciente de que, em caso de emergência,
deveriam se dirigir às chamadas “áreas seguras”, e era lá o destino de muitos após sobreviverem a explosão. Enquanto os feridos iam para os hospitais, alguns procuravam por seus
parentes e conhecidos, e outros tentavam ajudar o máximo de pessoas que podiam.
Em Investigam-se os Detalhes, o terceiro
capítulo, os hibakusha já haviam se deparado com tanta dor e sofrimento, que
pouco podiam fazer pelos que estavam gravemente feridos. Com a tragédia, seus
olhares sobre as pequenas coisas do dia a dia mudaram. Bens materiais não
valiam mais nada. Porém o espírito de caridade, a lealdade ao país, e o senso de dever, eram sentimentos que
ganhavam força. Da mesma forma, também, a vergonha e a culpa por terem sobrevivido
quando muitos perderam a vida.
Aqui eles já
começavam a se questionar e a tentar entender os acontecimentos a sua volta. A
ira e rancor pelos americanos continuava a crescer. Além disto, o Governo japonês pouco
fazia pelas vítimas, e os hospitais estavam lotados com feridos se aglomerando
pelos corredores. Haviam centenas de pessoas sem receber atendimento e um grande número de mortos.
As rádios
começavam a transmitir as primeiras informações já na manhã seguinte ao
bombardeio. Cogitavam a possibilidade de um novo tipo de bomba ter sido
lançada sobre a cidade. E o presidente Truman, nos Estados Unidos, revelava em um pronunciamento que a nova bomba era atômica, mais potente que 20 mil toneladas de TNT.
Enquanto no Japão as vítimas formulavam teorias para o desastre bem
distantes da realidade. Para servir de exemplo: uma das informações fornecidas por um jornalista a um sobrevivente se referia a um pó de magnésio ter sido despejado sobre a cidade, causando sua destruição.
O quarto capítulo,
Flores Sobre Ruínas, continua a narrar as dificuldades pelas quais os sobreviventes passavam, revelando a precariedade de suas
condições e os transtornos causados pela destruição. Embora os hospitais
já estivessem começando a se reestabelecer - principalmente com a chegada de ajuda externa
- e os pacientes possuíssem um lugar adequado para repousar.
Com a exposição à
radiação, muitos sobreviventes se tornaram vítimas de uma doença que causava
mal-estar, febre, fraqueza, queda de cabelo, entre outros sintomas. E mais
tarde foi descoberto que os hibakusha possuíam maior probabilidade de
desenvolver doenças como câncer ou infertilidade. A radiação a que eles foram expostos
também era responsável pela dificuldade no tratamento de seus ferimentos e
queimaduras, que continuavam a se abrir.
E,
como se a natureza defendesse a humanidade de seu próprio engenho, os processos
reprodutivos foram afetados durante algum tempo; os homens se tornaram
estéreis, as grávidas abortaram e as mulheres em geral pararam de menstruar (HERSEY,
2002, l. 1052-1063).
Um detalhe muito
importante deste capítulo, fazendo jus ao próprio nome, mostra que apesar de
tudo isto a radiação fez florescer - literal e figurativamente - em meio a toda
aquela destruição:
A
bomba não só deixara intactos os órgãos subterrâneos das plantas como os
estimulara. Por toda parte havia centáureas, iúcas, quenopódios, ipomeias,
hemerocales, beldroegas, carrapichos, gergelim, capim e camomila.
Principalmente num círculo do centro o sene vicejava numa extraordinária
regeneração, não só entre os restos crestados da mesma planta, como em outros
pontos, em meio aos tijolos e através das fendas do asfalto. Parecia que o
mesmo avião que jogara a bomba soltara também uma carga de sementes de sene (HERSEY,
2002, l. 934-945).
O capítulo encerra
contando um pouco sobre como os sobreviventes começaram a reconstruir suas
vidas, em busca de novas formas de trabalhar, garantir seu sustento, e moradia.
Como também, sobre a restauração do seu estado de espírito. Pois embora tenham
sobrevivido a explosão, naquele 6 de agosto eles certamente perderam uma parte
de si que jamais poderiam ter de volta.
A
vida dessas seis pessoas, que estavam entre as mais afortunadas de Hiroshima,
nunca voltaria a ser a mesma. Suas opiniões sobre as próprias experiências e sobre
o uso da bomba atômica evidentemente não eram unânimes. Um sentimento que
parecia comum a todas era um elevado espírito comunitário (HERSEY,
2002, l. 1173-1183).
Após
40 anos, John Hersey volta a Hiroshima para escrever o último capítulo deste
livro-reportagem, Depois da Catástrofe,
disposto a descobrir o que aconteceu com os seis sobreviventes. Os primeiros
anos foram bem difíceis para todos. Alguns conseguiram se tornar bem-sucedidos ao
viajar dando palestras; e outros passaram por altos e baixos, ficaram doentes, e
ainda com sequelas da radiointoxicação.
Já Hiroshima
mudou completamente. Muitas empresas voltaram seus olhares para a cidade que
nasceu, quase que literalmente, das cinzas. Um memorial da paz foi construído,
e as vítimas que passaram anos sendo ignoradas pelo governo finalmente
receberam o auxílio que necessitavam. Embora isso só tenha acontecido por um
“incidente” que ocorreu em 1954, quando a radiação da bomba de hidrogênio que
os americanos testaram no atol de Bikini afetou a carga de atum de um navio
pesqueiro, Dragão Afortunado nº 5, e os japoneses ficaram furiosos. Três anos
depois a Dieta aprovou a lei que indenizava e provia auxílio médico aos
hibakusha.
4. CONCLUSÃO
Hiroshima é um
exemplo de que o jornalismo, quando pensado de maneira estética, e intercalado
a elementos literários, pode contribuir para uma narrativa que enriquece a
informação e a traduz de maneira que o jornalismo objetivo e imparcial jamais
poderia. John Hersey se apropriou bem daqueles quatro recursos que Tom Wolfe,
um dos fundadores do Novo Jornalismo (modelo de produção jornalística que
mescla recursos literários a realidade), apontava como características do
jornalismo literário. Sendo estas: a reconstrução de cada cena, o registro do
diálogo, a escrita na perspectiva dos personagens com o uso da terceira pessoa,
e os demais elementos subjetivos que as humanizam.
Assim, os leitores
podem sentir na pele o que os personagens retratados sentem, se emocionar com
seus sentimentos, e se identificar com eles. E estes elementos são
importantíssimos na construção desta reportagem, pois como a própria autora do
posfácio de Hiroshima fala, John Hersey “aproximou a abstração ameaçadora de
uma bomba atômica à experiência cotidiana dos leitores(...) Ao optar por um
texto simples, sem enfatizar emoções, ele deixou fluir o relato oral de quem
realmente viveu a história. O tom da reportagem é um prolongamento da dor
silenciosa que os sobreviventes de Hiroshima notaram nos conterrâneos feridos”
(2002, l. 2210).
Tendo isto em
consideração, não é à toa que Hiroshima é a reportagem mais importante do
século XX. Na época em que Hersey
escreveu sua reportagem, muitos jornalistas estavam interessados em escrever
romances, e consequentemente isso os influenciava a atribuir características
literárias ás suas narrativas. E foi a partir de um livro - A Ponte de São Luís
Rei, de Thornton Wilder -, que Hersey teve inspiração de como abordar o tema da
sua reportagem. Juntando uma boa ideia à sua excelente apuração e escrita, ele
pôde reconstruir harmoniosamente os eventos que aconteceram naquela cidade.
A importância
desta obra para a história do jornalismo é evidente, assim como ela é de grande
relevância para a história da própria literatura. O fazer jornalístico ganhou
um novo significado no século XX, surpreendendo e até chocando os mais
conservadores, que não economizavam nada em suas críticas. E para nós,
estudantes e profissionais do jornalismo, estas mudanças se tornaram um legado.
Elas nos mostram que é possível mesclar informação à criatividade, e assim
criar novas formas de registrar a história da humanidade.
Se Hiroshima nunca
tivesse sido escrito, será que entenderíamos os eventos daquele bombardeio com
a compreensão que temos hoje? Teríamos refletido sobre as consequências do uso
de uma bomba nuclear e de como ela pode destruir vidas e causar tanto
sofrimento? Toda a reportagem está carregada de informações e detalhes que nos
tocam profundamente, e nos fazem refletir em muitas questões. Este pensamento
pode ser muito bem traduzido com uma frase dita por um dos hibakusha:
O
grande dilema consiste em decidir se a guerra total, em sua presente forma, é
justificável, ainda que sirva a um propósito justo. Não acarreta malefícios
materiais e espirituais superiores a quaisquer benefícios que possa produzir?
Quando nossos moralistas nos darão uma resposta clara para essa pergunta? (HERSEY,
2002, l. 1212-1224).
Nossa profissão é
mais do que simplesmente divulgar informações, temos também o papel de
transmitir a história para as próximas gerações. E John Hersey, nesta obra,
cumpriu a sua missão. Hiroshima se tornou uma memória, e um lembrete, daquilo
que esperamos jamais se repetir.
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Hiroshima hoje - detalhe de uma vista panorâmica do memorial da paz de Hiroshima visto o 14 de abril de 2008. |
Galeria de imagens sobre Hiroshima aqui
NOTA:
[1] as citações se referem a versão digital para dispositivo kindle do livro Hiroshima, que foi disponibilizada pela lelivros. Com acesso em abril de 2018, no seguinte endereço: http://lelivros.fun/book/download-hiroshima-john-hersey-em-epub-mobi-e-pdf/
*Se você chegou aqui como estudante da UFC, por favor, não faça plágio desse texto. É um constrangimento descobrir que colegas da mesma universidade estão copiando o meu trabalho, enquanto poderiam fazer suas próprias reflexões sobre o livro. Eu não vou expôr o nome de ninguém. Mas infelizmente me senti na obrigação de deixar esse recado, porque não quero ter a surpresa de ver que fui plagiada outra vez, em uma nova publicação do curso de jornalismo. É uma experiência horrível ser plagiada, e como estudantes de jornalismo deveríamos saber valorizar o processo criativo dos nosso colegas. Essa resenha foi escrita por mim, na mesma condição de aluna em semestre inicial, com todos os seus erros e equívocos. Se eu consegui escrever, você também não precisa copiar. Abraço e boa sorte!
Disciplina: História do Jornalismo Brasileiro
Universidade Federal do Ceará
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