Resenha crítica do livro Hiroshima - Viratempo

Resenha crítica do livro Hiroshima

by - domingo, junho 10, 2018

Este diagrama de fotos mostra a extensão dos danos em Hiroshima.
Regiões sombreadas indicam o setor mais devastado da cidade. Imagem: NPR.
Sem informações sobre estes pontos destacados.

HERSEY, John. Hiroshima. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 176. Tradução: Hildegard Feist. ISBN:  8535902791.

1.    SOBRE JOHN HERSEY

John Richard Hersey (nasceu em 17 de junho de 1914, Tientsin, China - morreu em 24 de março de 1993, Key West, Flórida), foi um escritor e jornalista norte-americano, formado pela Universidade de Yale, e pós-graduado como um Mellon Fellow em Cambridge. Foi também correspondente internacional no Leste da Ásia, na Itália, e na União Soviética, para as revistas Time e Life. Em 1945 recebeu o prêmio Pullitzer por seu primeiro romance, A Bell for Adano. É conhecido principalmente por ser um dos precursores do chamado Novo Jornalismo, gênero que se utiliza de elementos literários para escrever reportagens de não-ficção. Outras obras:
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 HERSEY, John. Into the Valley: Marines at Guadalcanal. United States: Nebraska University, 2002. 79 p. ISBN: 0803273282.
_______. Reporting World War II. United States: Penguin Usa, 2001. 874 p. ISBN: 1931082057
_______. The Wall. United States: Random House, 1988. 632 p. ISBN: 0394756967


2.    UM BREVE RESUMO


Publicada inicialmente como um artigo de John Hersey para a revista The New Yorker, em 31 agosto de 1946, Hiroshima foi considerada a melhor reportagem já escrita, vendendo cerca de 300 mil exemplares, e incluindo o autor na lista dos dez americanos mais importantes daquele ano. A revista precisou dedicar quase todas as suas páginas em suporte às 31.347 palavras que o autor utilizou para apresentar os efeitos causados pela bomba atômica sobre a vida de mais de 200 mil pessoas em Hiroshima, e o seu impacto na história da humanidade.

O foco deste livro-reportagem não é abordar aspectos éticos, dados técnicos, ou discutir os motivos que levaram os Estados Unidos a tal ato. Ele busca, na verdade, mostrar as consequências que uma bomba atômica, com todo seu impacto e poder destrutivo, pode ocasionar. E através do relato de seis sobreviventes do bombardeio da cidade de Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial, o autor é capaz de nos aproximar da realidade da guerra, a qual jamais poderíamos compreender sem antes tê-la vivenciado. Utilizando-se de elementos narrativos literários, e na perspectiva de cada um destes personagens, John Hersey nos mostra que “o horror tinha nome, idade e sexo”.

3.    ESTRUTURA E ABORDAGEM


A reportagem é dividida em cinco partes. Cada uma relatando de maneira harmoniosa os eventos que ocorreram na vida de cada um dos sobreviventes. Do momento em que a bomba caiu, até a experiência com os desastres que continuaram a acontecer nos dias seguintes. E tanto as divisões, quanto a escolha dos títulos de cada capítulo, foram pensadas de maneira a humanizar a narrativa e envolver o leitor em um tipo de imersão que emociona e sensibiliza.
O uso de uma bomba atômica era novidade. Nunca na história do mundo essa tecnologia havia sido utilizada. E enquanto os sobreviventes sofriam e o mundo estava perplexo, alguns grupos de pesquisadores, cientistas e militares estavam em um estado de êxtase com essa primeira experiência no uso de uma bomba de fissão. Eles tentavam entender quais seriam os efeitos causados por ela e as demais questões que surgiam a partir deste novo fenômeno.
Assim, John Hersey, além de contar a história dos hibakusha (como os japoneses chamavam os sobreviventes, para manter o respeito por aqueles que haviam perdido a vida), narrava também, em sua obra, a repercussão que o bombardeio teve no mundo afora, e as expõe em detalhes no decorrer dos capítulos.

No primeiro capítulo, Um Clarão Silencioso o autor nos apresenta o perfil de cada um dos personagens, com informações sobre seu trabalho, família, idade, e ocupações. Todas as informações de relevância para a compreensão da personalidade de cada indivíduo, e para entender as suas escolhas e ações dentro dos acontecimentos narrados.
Em seguida, o autor descreve os momentos anteriores à explosão, que se resumem a relatos da rotina de cada um dos personagens: onde e com quem eles estavam, o que faziam, etc. E depois a experiência de cada hibakusha, no exato momento em que se depararam com o clarão repentino e silencioso - causado pela explosão -, que tomou conta da cidade; e a forma como reagiram diante de um evento tão inesperado.

Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se perguntam por que estão vivos, quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade – um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam disso (HERSEY, 2002, l. 32-44)¹.

Logo após, no segundo capítulo, O Fogo, Hersey narra a situação dos sobreviventes após a bomba ter liberado toda sua energia em destruição, fragmentos de fissão, e causado um incêndio que se alastrava por toda a cidade. O autor conta, também, detalhes sobre o procedimento que eles foram orientados a seguir em caso de um ataque, e embora fosse um fenômeno novo na história, o grupo conseguiu se virar bem em meio ao caos.
Antes mesmo da bomba explodir a população já estava ciente de que, em caso de emergência, deveriam se dirigir às chamadas “áreas seguras”, e era lá o destino de muitos após sobreviverem a explosão. Enquanto os feridos iam para os hospitais, alguns procuravam por seus parentes e conhecidos, e outros tentavam ajudar o máximo de pessoas que podiam.

Em Investigam-se os Detalhes, o terceiro capítulo, os hibakusha já haviam se deparado com tanta dor e sofrimento, que pouco podiam fazer pelos que estavam gravemente feridos. Com a tragédia, seus olhares sobre as pequenas coisas do dia a dia mudaram. Bens materiais não valiam mais nada. Porém o espírito de caridade, a lealdade ao país, e o senso de dever, eram sentimentos que ganhavam força. Da mesma forma, também, a vergonha e a culpa por terem sobrevivido quando muitos perderam a vida.
Aqui eles já começavam a se questionar e a tentar entender os acontecimentos a sua volta. A ira e rancor pelos americanos continuava a crescer. Além disto, o Governo japonês pouco fazia pelas vítimas, e os hospitais estavam lotados com feridos se aglomerando pelos corredores. Haviam centenas de pessoas sem receber atendimento e um grande número de mortos.
As rádios começavam a transmitir as primeiras informações já na manhã seguinte ao bombardeio. Cogitavam a possibilidade de um novo tipo de bomba ter sido lançada sobre a cidade. E  o presidente Truman, nos Estados Unidos, revelava em um pronunciamento que a nova bomba era atômica, mais potente que 20 mil toneladas de TNT. Enquanto no Japão as vítimas formulavam teorias para o desastre bem distantes da realidade. Para servir de exemplo: uma das informações fornecidas por um jornalista a um sobrevivente se referia a um pó de magnésio ter sido despejado sobre a cidade, causando sua destruição.

O quarto capítulo, Flores Sobre Ruínas, continua a narrar as dificuldades pelas quais os sobreviventes passavam, revelando a precariedade de suas condições e os transtornos causados pela destruição. Embora os hospitais já estivessem começando a se reestabelecer - principalmente com a chegada de ajuda externa - e os pacientes possuíssem um lugar adequado para repousar.
Com a exposição à radiação, muitos sobreviventes se tornaram vítimas de uma doença que causava mal-estar, febre, fraqueza, queda de cabelo, entre outros sintomas. E mais tarde foi descoberto que os hibakusha possuíam maior probabilidade de desenvolver doenças como câncer ou infertilidade. A radiação a que eles foram expostos também era responsável pela dificuldade no tratamento de seus ferimentos e queimaduras, que continuavam a se abrir.

E, como se a natureza defendesse a humanidade de seu próprio engenho, os processos reprodutivos foram afetados durante algum tempo; os homens se tornaram estéreis, as grávidas abortaram e as mulheres em geral pararam de menstruar (HERSEY, 2002, l. 1052-1063).

Um detalhe muito importante deste capítulo, fazendo jus ao próprio nome, mostra que apesar de tudo isto a radiação fez florescer - literal e figurativamente - em meio a toda aquela destruição:

A bomba não só deixara intactos os órgãos subterrâneos das plantas como os estimulara. Por toda parte havia centáureas, iúcas, quenopódios, ipomeias, hemerocales, beldroegas, carrapichos, gergelim, capim e camomila. Principalmente num círculo do centro o sene vicejava numa extraordinária regeneração, não só entre os restos crestados da mesma planta, como em outros pontos, em meio aos tijolos e através das fendas do asfalto. Parecia que o mesmo avião que jogara a bomba soltara também uma carga de sementes de sene (HERSEY, 2002, l. 934-945).

O capítulo encerra contando um pouco sobre como os sobreviventes começaram a reconstruir suas vidas, em busca de novas formas de trabalhar, garantir seu sustento, e moradia. Como também, sobre a restauração do seu estado de espírito. Pois embora tenham sobrevivido a explosão, naquele 6 de agosto eles certamente perderam uma parte de si que jamais poderiam ter de volta.

A vida dessas seis pessoas, que estavam entre as mais afortunadas de Hiroshima, nunca voltaria a ser a mesma. Suas opiniões sobre as próprias experiências e sobre o uso da bomba atômica evidentemente não eram unânimes. Um sentimento que parecia comum a todas era um elevado espírito comunitário (HERSEY, 2002, l. 1173-1183).

Após 40 anos, John Hersey volta a Hiroshima para escrever o último capítulo deste livro-reportagem, Depois da Catástrofe, disposto a descobrir o que aconteceu com os seis sobreviventes. Os primeiros anos foram bem difíceis para todos. Alguns conseguiram se tornar bem-sucedidos ao viajar dando palestras; e outros passaram por altos e baixos, ficaram doentes, e ainda com sequelas da radiointoxicação.
Já Hiroshima mudou completamente. Muitas empresas voltaram seus olhares para a cidade que nasceu, quase que literalmente, das cinzas. Um memorial da paz foi construído, e as vítimas que passaram anos sendo ignoradas pelo governo finalmente receberam o auxílio que necessitavam. Embora isso só tenha acontecido por um “incidente” que ocorreu em 1954, quando a radiação da bomba de hidrogênio que os americanos testaram no atol de Bikini afetou a carga de atum de um navio pesqueiro, Dragão Afortunado nº 5, e os japoneses ficaram furiosos. Três anos depois a Dieta aprovou a lei que indenizava e provia auxílio médico aos hibakusha.

4.    CONCLUSÃO


Hiroshima é um exemplo de que o jornalismo, quando pensado de maneira estética, e intercalado a elementos literários, pode contribuir para uma narrativa que enriquece a informação e a traduz de maneira que o jornalismo objetivo e imparcial jamais poderia. John Hersey se apropriou bem daqueles quatro recursos que Tom Wolfe, um dos fundadores do Novo Jornalismo (modelo de produção jornalística que mescla recursos literários a realidade), apontava como características do jornalismo literário. Sendo estas: a reconstrução de cada cena, o registro do diálogo, a escrita na perspectiva dos personagens com o uso da terceira pessoa, e os demais elementos subjetivos que as humanizam.
Assim, os leitores podem sentir na pele o que os personagens retratados sentem, se emocionar com seus sentimentos, e se identificar com eles. E estes elementos são importantíssimos na construção desta reportagem, pois como a própria autora do posfácio de Hiroshima fala, John Hersey “aproximou a abstração ameaçadora de uma bomba atômica à experiência cotidiana dos leitores(...) Ao optar por um texto simples, sem enfatizar emoções, ele deixou fluir o relato oral de quem realmente viveu a história. O tom da reportagem é um prolongamento da dor silenciosa que os sobreviventes de Hiroshima notaram nos conterrâneos feridos” (2002, l. 2210).
Tendo isto em consideração, não é à toa que Hiroshima é a reportagem mais importante do século XX.  Na época em que Hersey escreveu sua reportagem, muitos jornalistas estavam interessados em escrever romances, e consequentemente isso os influenciava a atribuir características literárias ás suas narrativas. E foi a partir de um livro - A Ponte de São Luís Rei, de Thornton Wilder -, que Hersey teve inspiração de como abordar o tema da sua reportagem. Juntando uma boa ideia à sua excelente apuração e escrita, ele pôde reconstruir harmoniosamente os eventos que aconteceram naquela cidade.
A importância desta obra para a história do jornalismo é evidente, assim como ela é de grande relevância para a história da própria literatura. O fazer jornalístico ganhou um novo significado no século XX, surpreendendo e até chocando os mais conservadores, que não economizavam nada em suas críticas. E para nós, estudantes e profissionais do jornalismo, estas mudanças se tornaram um legado. Elas nos mostram que é possível mesclar informação à criatividade, e assim criar novas formas de registrar a história da humanidade.
Se Hiroshima nunca tivesse sido escrito, será que entenderíamos os eventos daquele bombardeio com a compreensão que temos hoje? Teríamos refletido sobre as consequências do uso de uma bomba nuclear e de como ela pode destruir vidas e causar tanto sofrimento? Toda a reportagem está carregada de informações e detalhes que nos tocam profundamente, e nos fazem refletir em muitas questões. Este pensamento pode ser muito bem traduzido com uma frase dita por um dos hibakusha:

O grande dilema consiste em decidir se a guerra total, em sua presente forma, é justificável, ainda que sirva a um propósito justo. Não acarreta malefícios materiais e espirituais superiores a quaisquer benefícios que possa produzir? Quando nossos moralistas nos darão uma resposta clara para essa pergunta? (HERSEY, 2002, l. 1212-1224).

Nossa profissão é mais do que simplesmente divulgar informações, temos também o papel de transmitir a história para as próximas gerações. E John Hersey, nesta obra, cumpriu a sua missão. Hiroshima se tornou uma memória, e um lembrete, daquilo que esperamos jamais se repetir.

Hiroshima hoje - detalhe de uma vista panorâmica do memorial da paz de Hiroshima visto o 14 de abril de 2008.
Galeria de imagens sobre Hiroshima aqui


NOTA:

[1] as citações se referem a versão digital para dispositivo kindle do livro Hiroshima, que foi disponibilizada pela lelivros. Com acesso em abril de 2018, no seguinte endereço: http://lelivros.fun/book/download-hiroshima-john-hersey-em-epub-mobi-e-pdf/

*Se você chegou aqui como estudante da UFC, por favor, não faça plágio desse texto. É um constrangimento descobrir que colegas da mesma universidade estão copiando o meu trabalho, enquanto poderiam fazer suas próprias reflexões sobre o livro. Eu não vou expôr o nome de ninguém. Mas infelizmente me senti na obrigação de deixar esse recado, porque não quero ter a surpresa de ver que fui plagiada outra vez, em uma nova publicação do curso de jornalismo. É uma experiência horrível ser plagiada, e como estudantes de jornalismo deveríamos saber valorizar o processo criativo dos nosso colegas. Essa resenha foi escrita por mim, na mesma condição de aluna em semestre inicial, com todos os seus erros e equívocos. Se eu consegui escrever, você também não precisa copiar. Abraço e boa sorte!

Disciplina: História do Jornalismo Brasileiro
Universidade Federal do Ceará

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